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Francisco Gomes Teixeira (1851-1933), um sábio português

Francisco Gomes Teixeira (1851-1933) foi um sábio português, admirado em vida pela sua inteligência, pelas suas qualidades de  mestre, pela superioridade da sua alma de místico, pelo prestígio da sua integridade moral.

Mas sobretudo pela sua obra de matemático de engenho, obra gestada com parcos recursos materiais num pequeno e periférico mundo dentro do mundo da matemática.

Francisco Gomes Teixeira nasceu a 28 de Janeiro de 1851 em S. Cosmado, uma remota e alcantilada aldeia da região duriense. Aos 17 anos, ingressou na Universidade de Coimbra. Na ausência de uma vocação bem definida, porque os apelos intelectuais eram multímodos desde as Ciências às Humanidades, a opção de cursar matemática foi tomada literalmente ao acaso. Estudante do terceiro ano, logo escreveu o seu primeiro artigo científico, o qual versava sobre o desenvolvimento de funções em fracção contínua. Concluiu com brilho e classificação máxima a licenciatura e um ano volvido o grau de doutor foi-lhe conferido com 20 valores por unanimidade, classificação nunca antes atribuída pela sua Faculdade, a primeira Faculdade de Matemática do mundo (criada aquando da Reforma Pombalina). A imprensa deu ao feito a importância que lhe era devida e a Academia rejubilou com o talento do promissor jovem.

Gomes Teixeira redigiu em francês os principais resultados da sua tese de doutoramento e submeteu-os para publicação a revistas internacionais. Os artigos foram aceites e vieram a lume nas Mémoires de la Societé de Sciences Physiques et Naturelles de Bordeaux, nos Comptes Rendues de la Académie dês Sciences de Paris, entre outros famosos periódicos.

Esta iniciativa, sem dúvida arrojada, não era prática usual na comunidade científica portuguesa da época, que se limitava a divulgar as suas descobertas a nível nacional. O desígnio do jovem matemático era ousado: não só ele próprio queria conquistar projecção científica internacional, como tornar a comunidade matemática portuguesa parte Integrante dessa comunidade.

Tendo em vista a difusão da produção científica nacional, funda em 1877 o “Jornal de Ciências Matemáticas e Astronómicas”, a primeira revista portuguesa exclusivamente dedicada à área. Renomados matemáticos do mundo, como Hermite e Bellavitis, colaboraram no periódico apresentando aqui os seus trabalhos de investigação.

Gomes Teixeira publicou em revistas internacionais 149 artigos, sendo 83 editados em periódicos nacionais. Muitas das revistas estrangeiras em que as suas obras vieram à luz, contavam-se entre as de maior impacto na época. Merece especial realce a sua colaboração com os jornais de Liouville (onde publicou grande parte dos seus trabalhos de geometria, e teoria dos números) e o jornal de Crelle. Salienta-se o facto de ter sido o primeiro matemático português a publicar na reputada Acta Mathematica, fundada em Estocolmo por Mittag-Leffler (1846-1927). Figura entre os autores da revista “L’Enseignement Mathématique”, de cujo comité científico foi membro. Colaborou com diversos periódicos (como o “Quarterly Journal” ou o “Instituto”), num total de 46, de elevado prestígio e rigorosa política editorial.

Em 1887, iniciou-se a publicação do “Curso de Análise Infinitesimal”, um dos seus mais importantes trabalhos, amiúde reeditado. A obra compreende três volumes, um de Cálculo Diferencial e dois de Cálculo Integral, dados estes à estampa em 1889 e 1892. O tratado mereceu recensões significantes no Bulletin des Sciences Mathématiques e no Bulletin of the American Mathematical Society. James Pierpont, professor em Yale, assina a recensão nesta revista (vol.5, 1898-1899, pp.483-484) não poupando encómios ao Curso. A obra introduziu em Portugal tópicos de análise infinitesimal avançada, sendo algumas descobertas originais do autor, e distingue-se pelo nível de rigor da apresentação matemática, pela criteriosa escolha da temática e pelo refrescante estilo, “lúcido e elegante”.

Em 1895 Gomes Teixeira submeteu a concurso à Academia Real das Ciências Exactas, Fisicas y Naturales de Madrid o artigo “Sobre o desenvolvimento das funções em série”. Face ao seu valor, a Academia atribuiu-lhe o prémio, mas extra concurso, pelo facto de se encontrar redigido em língua portuguesa, no que contrariava as normas concursais que obrigavam ao uso do latim ou castelhano.

Em 1897 candidatou-se de novo ao prémio da Academia de Madrid, desta feita com o “Tratado de las curvas especiales notables, tanto planas como alabeadas” (“Tratado das curvas especiais notáveis, tanto planas como torsas”), tendo-lhe sido atribuído o prémio ex-eaquo com o prestigiado matemático italiano Gino Loria (1862-1954). Considerada uma obra de grande qualidade científica, foi traduzida para francês, substancialmente aumentada e publicada com o título “Traité des Courbes Spcéciales Remarquables, Planes et Gauches”, em três tomos, editados respectivamente em 1908, 1909 e 1915.

Em 1917 o “Traité des Courbes” foi distinguido com o prémio Binoux para a história da ciência, atribuído pela Academia das Ciências de França. O “Tratado das Curvas” de Gomes Teixeira alcançou assinalável prestígio internacional, sendo uma obra referenciada ainda na actualidade entre as maiores no género. Teve sucessivas reedições no estrangeiro: uma da Chelsea Publishing Co., New York, 1971, outra das éditions Jacques Gabay, Paris, 1995, e recentemente na Biblio Bazaar, Espanha, 2009.

A obra consta de treze capítulos, sendo os primeiros seis sobre curvas algébricas e os restantes sobre curvas transcendentes. Recorde-se que uma curva algébrica pode ser definida como o lugar geométrico dos pontos cujas coordenadas cartesianas satisfazem uma equação polinomial, classificando-se a curva pelo grau do polinómio. Assim, uma cónica e uma recta são curvas algébricas, respectivamente, do segundo e primeiro grau. Por definição, uma curva transcendente é aquela que não é algébrica.

O Tratado elenca as curvas que receberam nomes especiais, tanto planas como não planas, descrevendo a sua forma, equações, propriedades gerais, incluindo sempre pertinentes notas históricas. Rectas e cónicas não são estudadas, segundo o autor adverte pelo facto de surgirem nos livros de Geometria Analítica. No Prefácio, Gomes Teixeira esclarece que a sua listagem não está obviamente completa, mas que pensa não ter deixado de versar todas as curvas importantes, quer pela sua teoria, aplicações ou pela sua história. Os métodos utilizados são sempre os "mais gerais e conhecidos", de modo que a obra pudesse ser útil mesmo a quem não tivesse conhecimentos científicos profundos. O tratamento elementar adoptado, revela custos em termos de concisão, tornando-a no entanto acessível a um público mais vasto.

Ao longo de toda a sua longa carreira Gomes Teixeira cultivou a Análise, nomeadamente a teoria das equações de derivadas parciais e a teoria das funções (séries), tendo passado a publicar em geometria (nomeadamente, em teoria das curvas) a partir de 1898. Este ano marca um ponto de viragem no campo dos seus múltiplos interesses. O seu último artigo neste domínio data de 1917. Mas a sua bibliografia vai além destas áreas, estendendo-se também à História da Matemática e ao Ensino, e a domínios da cultura difíceis de catalogar (biografias, livros de viagens, etc.).

De 1904 a 1915, as Obras Completas de Gomes Teixeira foram publicadas sob a égide do governo português pela Imprensa da Universidade de Coimbra. Compreendem um total de sete volumes, os dois primeiros contendo artigos de Análise e Geometria. O curso de Análise Infinitesimal ocupa os volumes III (cálculo diferencial), e VI (cálculo integral), sendo os volumes IV, V e VII relativos ao “Tratado das Curvas”. Este último inclui ainda um suplemento aos famosos problemas de régua e compasso, propostos pelos gregos na Antiguidade e cuja prova de impossibilidade só foi alcançada no século XIX, após exasperantes tentativas de resolução pelos mais distintos matemáticos durante de cerca de dois milénios.

É notável o facto de Gomes Teixeira ter desenvolvido actividade científica de modo contínuo e regular desde os anos da primeira juventude até ao final da sua longa vida. Foi um trabalhador estrénuo e um infatigável caminheiro. A sua paixão pela escrita nunca esmoreceu, mesmo quando a idade já pesava. Depois dos 70 anos, ainda escreveu 14 artigos de matemática, os quais foram publicados em periódicos nacionais e internacionais. Na sua maioria, os escritos deste período são na área da História da Ciência. A sua História das Matemáticas em Portugal, referência para os estudiosos, foi publicada postumamente em 1934 pela Academia das Ciências de Lisboa, agremiação que desde os verdes anos prestigiou.

É ainda autor de Panegíricos e Conferências (1925), Santuários de Montanha. Impressões de Viagem (1926), Apoteose de S. Francisco de Assis-sua vida e obra (1928), Uma Santa e uma Sábia (1930) e Santo António de Lisboa, história, tradição e lenda (1931).

Em Portugal Gomes Teixeira era considerado um sábio, celebrado com as mais altas distinções, distinguido pela imprensa e pelos pares, tendo recebido vários prémios e honrarias. Exerceu com brilho e público reconhecimento o cargo de professor catedrático na Universidade de Coimbra, Academia Politécnica do Porto e Universidade do Porto, tendo sido o primeiro reitor desta Instituição, criada depois da implantação da República (1911). Em 1921, aquando da sua jubilação, foi nomeado reitor honorário da Universidade do Porto e director do Instituto de História das Ciências. Conviveu bem com os sucessivos poderes que governaram Portugal durante a sua existência: a monarquia constitucional, a erosão do regime, o turbilhão da Primeira

República e os começos do Estado Novo. Era monárquico e exerceu cargos parlamentares na Monarquia, ao que consta sem grande talento ou distinção. Ocupou igualmente cargos de prestígio nos outros regimes que vigoraram em Portugal. E confessou a um repórter que de uma vez o entrevistou nada perceber de política.

A sua reputação internacional era considerável. Travou comércio epistolar com os mais importantes matemáticos do seu tempo, entre estes merecendo especial menção Levi Civita, Peano, Mittag Leffler e Hermite. A sua extensa correspondência foi legada pelo próprio ao Arquivo da sua alma mater.

Foi admirado em vida pela sua inteligência, pelas suas qualidades de sábio e mestre, pela superioridade da sua alma de místico, pelo prestígio da sua integridade moral. Mas sobretudo pela sua obra de matemático de engenho, obra gestada com parcos recursos materiais num pequeno e excêntrico mundo falho de tradição dentro no mundo da Matemática.

Distinguido com dois doutoramentos honoris causa, um pela Universidades de Madrid em 1922 e outro pela Universidade de Toulouse em 1923, nunca lhe faltaram honrarias e público reconhecimento.

Como outras figuras portuguesas de grande projecção matemática, entre elas Pedro Nunes, não deixou discípulos.

O valor de uma obra pode ser aferido pela sua sobrevivência à efémera vida do autor. O facto de as citações a Gomes Teixeira aparecerem na actualidade referenciadas no ISI Web of Knowledge, indicador internacional de ciência de reconhecido prestígio, é sinal do relevo da sua obra matemática, atendendo a que a sua actividade científica decorreu nos lustros finais do sec.XIX e em começos do sec.XX. O seu monumental Tratado das Curvas é uma das maiores glórias da matemática portuguesa .