/ Caminhos na UC

Episódio #64 com Ana Miguel Matos

Uma farmacêutica sempre pronta a servir a comunidade UC e a população

Publicado a 24.07.2025

Falar da pandemia de COVID-19 pode parecer, para algumas pessoas, um momento longínquo. Mas, na vida de Ana Miguel Matos, continua uma memória presente, sendo o marco de uma carreira de 27 anos na Universidade de Coimbra (UC). Professora da Faculdade de Farmácia da UC (FFUC) desde 1998, casa que também a recebeu quando era estudante, tornou-se Diretora Técnica do Laboratório de Análises Clínicas da UC (LACUC) em 2019, pouco antes do SARS-CoV-2 começar a circular pelo mundo. Para Ana Miguel Matos, a pandemia foi um desafio duro, pelas consequências trágicas que provocou, mas bastante enriquecedor, com a criação de uma grande estrutura na Universidade de Coimbra, capaz de dar resposta ao diagnóstico e rastreio desta doença na Região Centro do país. Hoje, os desafios são outros, mas a preocupação é a mesma: investigar, ensinar, monitorizar e testar em prol de uma comunidade saudável e devidamente acompanhada.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Comecei como estudante, quando entrei no curso de Ciências Farmacêuticas, na Faculdade de Farmácia, em 1990. Nessa altura, o objetivo já era especializar-me em análises clínicas. Depois de terminar o curso, estive em Paris, durante um ano e meio, em laboratórios de análises clínicas hospitalares, onde iniciei a especialização nesta área, com vista à obtenção do Título de Especialista, concedido pela Ordem dos Farmacêuticos.

Após esse período, regressei a Coimbra, onde assumi a responsabilidade pelo Laboratório de Microbiologia da Bayer, durante cerca de um ano. Entretanto, concorri a um lugar de assistente estagiária na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, para a área de microbiologia, que desde sempre foi a minha área de eleição. E foi assim que, em 1998, iniciei a minha carreira como docente na FFUC, que mantenho até à data. Na altura da minha contratação, a FFUC já dispunha de um Laboratório de Análises Clínicas, com o qual sempre mantive ligação, e que me possibilitou interligar a docência, a investigação e as análises clínicas.

O que a motivou a escolher seguir pela área das análises clínicas?

Sempre gostei desta área e a escolha do curso de Ciências Farmacêuticas foi baseada no interesse de seguir e especializar-me em análises clínicas. Nessa altura, o que me atraía nesta área era a possibilidade de conseguirmos identificar patologias através de análises laboratoriais, mais ou menos como “detetives” que procuram evidências para ajudar os clínicos no diagnóstico, prognóstico ou monitorização de determinadas patologias. De entre as diferentes áreas das análises clínicas, foi, sem dúvida, a microbiologia aquela que sempre me chamou mais a atenção, pela curiosidade em identificar e conhecer o microrganismo implicado em determinada doença, além de perceber como seria possível tratar.

É atualmente a Diretora Técnica do Laboratório de Análises Clínicas da UC. Como é que surge este serviço?

O Laboratório de Análises Clínicas da UC surgiu em 1983, na FFUC, e a sua ação sempre assentou em três pilares: 1) prestação serviços especializados de análises clínicas a toda a comunidade, universitária ou externa; 2) auxílio na formação, apoiando algumas aulas e promovendo estágios; 3) apoio à investigação, tanto para investigadores da UC, como de outras instituições.

Como já referi, colaboro com este laboratório desde que ingressei na Faculdade de Farmácia como docente. Assumi funções de Diretora Técnica Adjunta em 2012, e mais tarde, quando a Doutora Ana Donato se aposentou, em 2019, assumi o cargo de Diretora Técnica, que desempenho até à data.

Com a pandemia, e decorrente da decisão do Senhor Reitor de que a Universidade poderia prestar auxílio no diagnóstico da infeção por SARS-CoV-2 na Região Centro do país, o LACUC deixou a Faculdade de Farmácia para passar a pertencer à Reitoria. Nessa altura, em março de 2020, em virtude das orientações dadas pela Organização Mundial da Saúde, um laboratório que já existia neste edifício [na Faculdade de Medicina, no Polo I] foi adaptado à realização dos testes de COVID-19, e então passámos a “trabalhar” no Polo I. Hoje em dia, e após a resolução da pandemia, continuamos no mesmo edifício, mas noutro espaço, renovado e adaptado às exigências das análises clínicas, localizado no mesmo piso e corredor dos Serviços de Saúde e de Gestão da Segurança no Trabalho dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra, uma mudança que permitiu o estreitar de relações com os Serviços Médicos, muito importante para o apoio à comunidade UC.

Como é que foi a experiência de estar à frente de um laboratório de análises clínicas durante a pandemia?

Foi, sem dúvida, o maior desafio da minha experiência profissional até hoje. Prestar um serviço de saúde pública nas duas áreas que me realizam profissionalmente – as análises clínicas e a virologia (desde sempre a minha área de investigação) – à escala de uma pandemia, foi uma grande responsabilidade, mas, também, uma consciencialização da importância do nosso trabalho.

No início, não foi fácil, dado que estávamos a trabalhar com o desconhecido, sem saber bem com que tipo de vírus estávamos a lidar e quais as suas implicações. Tinha também uma equipa enorme à minha responsabilidade. Só por si, o tamanho da equipa já era um desafio, uma vez que o laboratório sempre tinha tido cerca de cinco funcionários, e passou a ter, nessa altura, mais de oitenta colaboradores. Além disso, havia, também, a preocupação constante de não colocar em risco nenhum dos meus colaboradores.

Tudo isso foi um enorme desafio, mas o facto de todas as pessoas estarem alinhadas e direcionadas para ajudar a população facilitou e tornou o nosso trabalho um pouco mais leve. Com tudo o que de mau a pandemia teve, em termos pessoais, foi um momento que me deixa feliz por ter podido participar com aquilo que sabia e para o qual tinha estudado.

O LACUC presta serviço às comunidades externa e interna da UC. Que serviços são estes?

Prestamos serviços de análises clínicas a qualquer pessoa, seja da comunidade UC, seja da comunidade externa. Quem desejar, pode recorrer aos nossos serviços, tanto a título particular, como com prescrição médica.

Além deste tipo de serviços, e em especial para a comunidade da Universidade de Coimbra, desenvolvemos, em colaboração com os Serviços de Saúde e de Gestão da Segurança no Trabalho dos Serviços de Ação Social Universidade de Coimbra, dois programas de promoção de saúde, que, atrever-me-ia a dizer, poucas universidades dispõem para os seus membros.

Um dos programas é o Check-up Prevenção, que tem como objetivo fazer um rastreio de situações mais comuns, como anemias, dislipidemias ou diabetes. Este rastreio pode ser feito, por exemplo, uma vez por ano, sem qualquer custo associado. Os resultados são avaliados pelos clínicos, que, em caso de necessidade, aconselham acompanhamento clínico e/ou tratamento.

O outro programa, do qual muito me orgulho, chama-se Rastreio Proteção +, destinado ao rastreio de Infeções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Pensámos este programa, em conjunto com o Senhor Reitor, numa altura em que ainda não existiam diretrizes nacionais para a realização de rastreios mais abrangentes.

A participação neste programa é muito simples: qualquer pessoa da comunidade UC que queira participar pode contactar os Serviços de Saúde e de Gestão da Segurança no Trabalho, sendo agendada uma consulta com um clínico. Depois, no LACUC é efetuada a colheita das amostras, e o rastreio de várias ISTs (HIV, Hepatites A, B e C, sífilis, gonorreia, clamídia e mycoplasma). Na eventualidade de ser diagnosticada alguma destas infeções, o clínico contacta o utente no sentido de, por exemplo, instituir o tratamento.

O Rastreio Proteção + tem quase dois anos (foi iniciado em novembro de 2023) e tenho pena que muitos estudantes ainda não tenham conhecimento de que o podem fazer de forma gratuita.

Sabemos que há outra universidade no país que faz um rastreio similar, mas que é restrito apenas a um mês no ano, enquanto que na Universidade de Coimbra temos este programa sempre disponível.

E por que decidiram criar este programa de deteção de Infeções Sexualmente Transmissíveis?

Além do interesse pelo tema, este programa surgiu da discrepância de alguns resultados de prevalência destas infeções entre Portugal e outros países. Esta discrepância residia, essencialmente, na falta de testagem no nosso país (principalmente devido à não comparticipação de alguns dos testes), dificultando a realização destes rastreios de uma forma mais sistemática.

Tendo em conta a comunidade universitária – grupo populacional alvo destes rastreios, que são, de facto, em termos de faixas etárias, mais suscetíveis a este tipo de infeções – e dado que muitas destas infeções são facilmente tratáveis (e, também, muitas vezes assintomáticas), surgiu a ideia de criar um rastreio neste âmbito, de forma a controlar a sua transmissão e promover o seu tratamento. O tratamento destas infeções diminui significativamente o surgimento de complicações

Gostaria ainda de sublinhar que este programa só é possível graças à estreita colaboração com os Serviços Médicos da UC. São eles que instituem a medicação e que acompanham o utente depois do tratamento.

Por trás da prestação destes serviços de prevenção e bem-estar, estão várias pessoas. Quem faz parte da equipa do LACUC?

Todo este trabalho só é possível porque existe uma equipa. E, felizmente, tenho uma equipa fantástica a trabalhar comigo. Neste momento, é composta por seis pessoas excecionais: duas assistentes técnicas, que são a cara do nosso laboratório, são elas quem vos recebe e avalia o que necessitam; duas técnicas superiores, que fazem as colheitas e analisam as vossas amostras; e eu e a Patrícia Madaleno, que somos responsáveis pela Direção Técnica do LACUC.

É também docente da Faculdade de Farmácia. Como é que concilia estes dois universos profissionais?

É um desafio, em especial, pelas questões da disponibilidade de tempo e das obrigações inerentes a ambas as funções. No entanto, na Faculdade de Farmácia, sou professora auxiliar na área de microbiologia, o que me permite criar uma interface entre o LACUC e os estudantes, para que consigam perceber a aplicabilidade direta daquilo que estão a aprender. Acho que é isso que me dá mais prazer: transmitir aos alunos o que fazemos aqui, e como aplicamos na vida real aquilo que lhes ensinamos.

Desde 2019, sou também coordenadora do Mestrado em Análises Clínicas da FFUC. Poder ajudar a formar estudantes na minha área de eleição, e transmitir-lhes a realidade do dia a dia que eles vão encontrar no seu futuro profissional, é outra mais-valia de conciliar estes dois universos profissionais.

Além disso, e no que respeita à investigação, quase todos os projetos em que colaboro integram o Laboratório de Análises Clínicas, interligando, mais uma vez, as diferentes áreas profissionais.

Creio que o mais difícil de gerir é a necessidade de ter de estar presente em tantos espaços físicos diferentes, entre dois polos da UC – o I e o III. O tempo nem sempre chega para tudo, mas tentamos gerir para chegar a todo o lado da melhor forma possível.

Que momento mais marcou o seu percurso na UC até ao momento?

A pandemia, sem dúvida. Foi um momento que nos pôs à prova e, olhando para trás, mostrou-nos que somos capazes de muito mais do que aquilo que por vezes pensamos. Estou muito grata pela confiança que o Senhor Reitor depositou em mim para, em conjunto com a minha equipa, enfrentar esse momento.

Que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC?

Primeiro, gostaria de partilhar que a Universidade de Coimbra é uma universidade como há poucas. E, por isso, acho um privilégio estudar ou trabalhar neste ambiente, numa instituição com tanta história e que continua a ser uma referência nacional. Por isso, aproveitem a UC! E isto leva-me à segunda mensagem: tirem partido de tudo aquilo que a Universidade de Coimbra vos pode dar. Provavelmente há muitos serviços que os estudantes, ou mesmo os colaboradores da UC, ainda não conhecem, por isso sugiro que procurem o que a UC tem para oferecer, porque a Universidade tem muito para vos dar!

Assista ao vídeo desta entrevista:

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCM; Inês Coelho, DCM

Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR