Fátima Sales, FLS
Joaquim Santos
(2007)
A vida de Linnaeus decorreu em pleno período da Idade das Luzes e da Razão. Enquadrado no espírito da época, Linnaeus tinha como objectivo último elaborar um método que permitisse a compreensão das leis naturais e divinas. A sua abordagem do mundo natural, baseada na observação cuidada era a metodologia já desenvolvida na Renascença.Desde a primeira obra (Praeludia Sponsaliarum Plantarum, oferecida a Olof Celsius por altura do ano novo de 1729) que a escrita de Linnaeus se revelou atractiva, simples e concisa, muito em contraste com o estilo barroco comum na altura. Essa forma de escrever revelava o seu espírito analista e sintético, capaz de organizar de uma forma coerente grande quantidade de informação.
Linnaeus teve uma vida fantasticamente produtiva. As suas publicações foram primariamente no domínio da botânica (a maior das suas paixões), também da zoologia – mas escreveu ainda sobre geologia e medicina. A quantidade e variedade dos assuntos que tratou certamente que o tornariam num naturalista muito consultado. Contudo, a metodologia eficaz de nomenclatura binomial que aplicou, estabeleceram Species Plantarum e a 10ª ed. de Systema Naturae como os marcos em botânica (em 1893/1956) e zoologia (em 1901), respectivamente, para a aplicação dos nomes científicos – daí o facto de, ainda hoje, os especialistas necessitarem de consultar estas obras regularmente.
Toda a obra botânica Linneana apontou para o clímax que foi Species Plantarum,
nas suas duas edições. A nomenclatura binomial, atribuída a todas as
plantas então conhecidas, foi um método simples, mas engenhoso, que
respondeu à necessidade de organizar os organismos de uma forma que
reflectisse, simultaneamente, as suas semelhanças (nome genérico) e
diferenças (restritivo específico). Em Species Plantarum, Linnaeus seguiu a classificação sexual que já definira na 1ª ed. de Systema Naturae
(1735) – e que tanto escandalizara as mentes da época!. Utilizou ainda
a enorme quantidade de informação bibliográfica que já coligira em
grande parte em Biblioteca Botanica (1736). Elaborou, então,
aquilo que hoje se chamaria uma base de dados. Agrupou as espécies
semelhantes em géneros, os quais descreveu, à parte, numa obra
posterior, a 5ª ed de Genera Plantarum (1756). Distribuiu
esses géneros pelos grupos da sua classificação sexual delineada em
1735. Estruturou esses grupos a dois níveis. O nível superior, as
“classes”, definidas pelo número de estames (ex. monandria, diandria, triandria, etc), pela sua organização (ex. didinamia, tetradinamia) ou pela distribuição do sexo nas plantas (ex. monoecia, dioecia). O segundo nível, as “ordens”, baseou-o no número de carpelos (ex. monogyna, digynia, trigynia, etc).
Linnaeus desenvolveu esta classificação estimulado pelas ideias de Tournefort sobre a importância que a forma das flores deveria ter na classificação das plantas. Linnaeus concebeu o método sexual de classificação a partir da observação do grande número de plantas que conseguiu estudar e da sua convicção de que partes tão fundamentais para a reprodução das plantas e continuação das espécies deveriam ser igualmente importantes para a sua classificação.
A classificação sexual é hierárquica e artificial – e Linnaeus estava ciente disso. Ele não pretendeu com ela revelar as relações entre os organismos mas, tão somente, facilitar a identificação. Embora diferentes, continuamos a utilizar classificações hierárquicas.
Com base nesta estrutura passou à descrição das espécies seguindo um modelo uniforme. Designou cada espécie por dois termos: o primeiro, geral (nome genérico); o segundo por outro concordante em género e número (o restritivo específico).
Sob a designação binomial de cada espécie, Species Plantarum fornece uma descrição simples que a caracteriza e distingue (diagnose). Segue-se a lista das referências bibliográficas dessa espécie; em alguns casos Linnaeus cita-se a si próprio, já que estava perfeitamente consciente de que o facto de só agora aplicar, sem excepção, a nomenclatura binomial, tornava obsoletas todas as suas outras aplicações parcelares dos nomes modernos. Segue-se a distribuição da espécie e o hábito da planta, para o qual utilizou símbolos da cultura clássica.
A bibliografia e a distribuição são os elementos essenciais para compreender (tipificar) a aplicação dos nomes de Linnaeus. Desde 1958 que o Código Internacional de Nomenclatura Botânica (Art. 35) exige a designação de um “tipo” (elemento que representa o conceito abstracto da espécie descrita) mas, para que a aplicação dos seus nomes fosse clara, Linnaeus apercebeu-se que era útil associar aos nomes um elemento figurativo – uma ilustração ou um exemplar do seu herbário onde geralmente anotou a proveniência do exemplar (ex. Habitat in Europa austral). Infelizmente, Linnaeus nem sempre foi claro na designação destes elementos ou “tipos”…
Se por um lado a compreensão das leis naturais e divinas foi o objectivo máximo de Linnaeus, facilitar o acesso ao conhecimento esteve sempre presente na mente do professor excelente que foi. A classificação que elaborou, e que utilizou em pleno em Species Plantarum, facilitou enormemente a tarefa de identificar plantas e permitiu, pela primeira vez, o acesso de todos à botânica, mesmo na ausência de um grande especialista!
Esta faceta eminentemente prática da obra Linneana está patente no uso repetido do conhecido diagrama elaborado em Hartekamp (1736) pelo ilustrador alemão George D. Ehret. Este escreveu “Linnaeus explicou-me o seu novo método para examinar os estames, o qual percebi com facilidade, tendo resolvido eu próprio elaborar uma tabela com ele”. Apenas o original, hoje no Natural History Museum, London, está assinado por Ehret. Linnaeus dividiu as plantas em 24 classes de acordo com o número e disposição dos estames, representada cada uma por uma letra do alfabeto no diagrama original de Ehret; os diagramas estão numerados nas cópias. Segue-se um exemplo de uma espécie de Linnaeus (L.) de cada uma dessas classes.
As figuras 1, 2 e 3, utilizadas no texto, foram adaptadas de Stern (1957).
A gravura de Linnaeus em trajes Lapões foi extraída da edição facsimilada de Systema Naturae de 1907 (ed. Holmiae), publicada pela altura das celebrações dos 200 anos do nascimento de Linnaeus, e que se encontra na excelente Biblioteca do Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Para saber mais sobre a obra de Carl Linnaeus consulte
Stern, W. T. (1957). An introduction to the Species Plantarum and cognate botanical works of Carl Linnaeus. In Linnaeus Species Plantarum 1753. Facsimile ed. Ray Society: London.
Conheça o
International Code of Botanical Nomenclature em
http://www.bgbm.org/iapt/nomenclature/code/default.htm
Das fotos
que se seguem, as 2 que não são de F Sales foram retiradas de
http://www.floralimages.co.uk/index.htm
As 24 classes de Linnaeus: