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[csbIII1] Enquadramento, Google Earth, março, 2023 |

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A faculdade de philosophia natural tem de ir até onde possam alcançar a physica e a chímica, isto é, hoje tem de ir até à fronteira do mundo moral. Ora o mundo moral é principalmente o homem moral. Portanto a faculdade de philosophia deve ensinar desde a physica até à anthropologia. Introdução ao projecto de lei da criação da cadeira de Antropologia - Câmara dos Deputados, 8 de junho de 1883 |

O episódio da mudança do Colégio de S. Boaventura, da Sofia para a Alta, é descrito por António de Vasconcelos como tendo ocorrido para o quarteirão compreendido entre a rua de S. João e a que veio a denominar-se dos Loios, o modesto «Colégio Amiclense», fundado em 1552... Os religiosos Venturas pensaram em adquirir esta morada, e outra vizinhas... Feitas as reparações indispensáveis na casa, para ela mudaram o seu Colégio universitário. Depois planearam erguer no mesmo local um novo edifício, próprio e mais amplo, cuja primeira pedra foi solenemente benzida e colocada a 14 de Julho de 1665... A 7 de setembro de 1678 deu-se por concluída a obra [2], do Colégio de São Boaventura (III).
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[csbIII2] Composição da univer[sc]idade sobre representação de Rúben Boas [4] |
Perfil de 1377: 1 - Capela Sesnandina (coro apresentado por D. Afonso IV, cerca de 1340); 2 - Paço Real (1340, após reforma de D. Afonso IV); 3- Porta do Paço Real; 4 - "Torre Nova" (iniciada em 1373, reinado de D. Fernando).
Perfil de 1678: 1- Estudos Gerais; 2 - Torre com as escadas centrais dos aposentos do Rei, (alteada pela reforma manuelina); 3 - Torre Horária (1561, do arq. João de Ruão); 4 - Paço das Escolas (escadas de acesso); 5 - Porta Férrea (1633-34, do projetista António Tavares e estatuário Manuel de Sousa); 6 - Colégio de S. Boaventura (1665-1678); 7 - Igreja do Colégio das Onze Mil Virgens (1541-1698, do arq. Baltazar Álvares); 8 - Colégio de S. João Evangelista (1631- 1638); 9 - Igreja do Colégio se S- Jerónimo (1665, do arq. Diogo Castilho); 10 - "Torre Nova".
Após a “Reforma Geral Eclesiástica” empreendida por Joaquim António de Aguiar, o Colégio de Boaventura (II), dos “Pimentas”, foi encerrado (abandonado). Em 1836 já estava ocupado por estabelecimentos, tais como uma serralharia e uma fundição. Em 1859, foi vendido na sua totalidade, em hasta pública, por 1.201$000 reis, a um particular que introduziu várias alterações, inclusive a construção de um quarto piso, que viria a descaracterizarar o topo do edifício. Apesar das sucessivas intervenções, ainda é percetível a silhueta da primitiva capela colegial, a porta semicircular, os cunhais de cantaria, a empena triangular que remata a fachada ou a grande janela poligonal.
O Colégio de Boaventura (III), na Alta, foi desocupado pelos “Venturas” e entregue à Universidade através da Portaria de 27 de Outubro de 1836. À falta de melhor aplicação, entre 1855 e 1910, serviu de casa de detenção, para os delitos académicos sob alçada do foro académico. O preso mais célebre foi o estudante Antero de Quental (1842-1891), de alcunha o Marrafa, condenado em 1859, a oito dias de prisão, por se envolver, com outros jovens, em desacatos às leis académicas.
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[csbIII3] Limites do Edifício |
[csbIII4] Colégio de S. Boaventura (III) - Prisão Académica |
[csbIII5] Colégio de S. Boaventura (III) - Instituto de Antropologia |
Os Cativos
Encostados às grades da prisão,
Olham o céu os pálidos cativos.
Já com raios oblíquos, fugitivos,
Despede o sol um último clarão.
Entre sombras, ao longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão saudosa.
Cai do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das coisas, lentamente.
E os cativos suspiram. Bandos de aves
Passam velozes, passam apressados,
Como absortos em íntimos cuidados,
Como absortos em pensamentos graves.
E dizem os cativos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o voo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!
Aonde ides? Qual é a vossa jornada?
À luz? à aurora? à imensidade? aonde?
– Porém o bando passa e mal responde:
À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! –
E os cativos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e inquieto,
Como quem traz algum pesar secreto,
Como quem sofre e cala algum tormento...
E dizem os cativos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas devesas?
Tu que procuras? Que visão sagrada
Te acena da soidão onde se esconde?
– Porém o vento passa e mal responde:
a noite, a escuridão, o abismo, o nada! –
E os cativos suspiram novamente.
Como antigos pesares mal extintos,
Como vagos desejos indistintos,
Surgem do escuro os astros, lentamente...
E fitam-se, em silêncio indecifrável,
Contemplam-se de longe, misteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama e vive inconsolável...
E dizem os cativos: Que problemas
Eternos, primitivos, vos atraem?
Que luz fitais no centro donde saem
A flux, em jorro, as intuições supremas?
Por que esperais? Nessa amplidão sagrada
Que soluções esplêndidas se escondem?
– Porém os astros tristes só respondem:
A noite, a escuridão, o abismo, o nada! –
Assim a noite passa. Rumorosos
Sussurram os pinhais meditativos.
Encostados às grades, os cativos
Olham o céu e choram silenciosos. [3]
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[csbIII6] Os Captivos |
O Colégio teve ainda outras ocupações: alojou tropas e funcionários da Universidade, recebeu um quartel dos Voluntários com material apropriado para o combate a incêndios, serviu como uma repartição de finanças, alojou os ensaios da Tuna Académica e ali se realizaram algumas aulas de farmácia. O edifício foi totalmente esvaziado em 1912, nomeadamente pelos Bombeiros que ali tinham permanecido cerca de 20 anos. Após ofício de despejo, os bombeiros foram ocupar instalações no edifício dos Bentos, nas proximidades dos Arcos do Jardim (Aqueduto de São Sebastião). Após ter sido submetido a uma profunda remodelação que apenas poupou o claustro. o edifício passou a ser todo ocupado pela Faculdade de Ciências, nomeadamente pelo seu Instituto de Antropologia. No decorrer da reforma dos estudos universitários, as Faculdades de Matemática e Filosofia deram lugar à Faculdade de Ciências, ficando o Museu Antropológico associado a esta Faculdade.
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[csbIII7] Rua dos Lóios (descendente) |
[csbIII8] Rua Larga, década de 40 |
[csbIII9] S. Boaventura [III] |

Na Rua Larga, outrora pituresca, lugar de cafés e leitarias, de casas de penhor e de barbearias, onde os salatinas eram presença permanente no quotidiano dos estudantes, observa-se, no sentido do Pátio das Escolas para o Colégio de São Jerónimo, em [csb13] à esquerda, o Colégio de São Boaventura e, à direita, o Colégio dos Lóios. Em [csb14] são visíveis as fachadas do Colégio de São Boaventura (com o seu frontão curvo e quebrado) e do Colégio dos Lóios. Em [csb15] o edifício do Colégio dos Lóios já se encontra destruído (em primeiro plano a Leitaria Académica, mais conhecida pelo nome do seu proprietário, o Sr. Joaquim Inácio, vulgo Joaquim “Pirata”, que envergava sempre um imaculado casaco branco).
Na transição para o séc. XX, a coleção etnográfica instalada no Colégio de Jesus teve um forte incremento. Se em 1878 a Ethnographia se repartia por 12 metros de estantes, à data da implantação da República já ocupava 63 metros. Entre 1897 e 1905, Bernardino Machado, diretor do Departamento de Antropologia, em ofícios dirigidos ao Reitor propôs a expansão do museu, tendo por esta forma ido ocupar o antigo Colégio de São Boaventura – igreja e claustro. A transferência das coleções do Colégio de Jesus, onde estava instalada a Faculdade de Filosofia Natural e era lecionada a cadeira de Antropologia, para Colégio de São Boaventura (III) viria a ocorrer já na segunda década do séc. XX., após reforma e adaptação da sua arquitetura, passando as coleções a servir não apenas para fins museológicos, mas também didáticos.
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[csbIII10] Sala de Exposição de material no Colégio de S. Boaventura (III) |
[csbIII11] Sala de Exposição de material no Colégio de S. Boaventura (III) |

Embora as duas comissões especiais (Comissão Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra - CAPOCUC) que trabalharam a nova Alta Universitária, entre 1934 e 1940, tivessem previsto a preservação do Colégio de S. Boaventura (III), é certo, com sugestão de profunda remodelação do edifício, rapidamente a CAPOCUC chegou à conclusão que o Colégio não se prestava a qulquer espécie de adaptação. A sentença, leia-se, justificação para a sua a demolição, assentou em dois argumentos: o primeiro, porque o Colégio estrangulava a Rua Cândido dos Reis (Rua Larga) que se pretendia corrigir em cota e largura, de modo a corresponder ao plano oferecido pela Porta Férra; o segundo, surge pela mão do arquiteto Cottinelli Teimo, que insistiu não ser possível conservar o edifício, por muito gracioso que ele fosse, uma vez que o claustro, e seus anexos, "ficariam encravados num bloco inteiramente novo prejudicando-o com a irregularidade dos seus contornos, obrigando a pátios inúteis, circulações tortuosas..."
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[csbIII12] Início da demolição do Colégio de S. Boaventura (III) |
[csbIII13] Demolição do Colégio de S. Boaventura (III) |
[csbIII14] Frontão curvo e quebrado do Colégio de S. Boaventura (III) |

Em 1948, no contexto de demolições que ocorreram na Alta, o Museu e Laboratório Antropológico vai ocupar, “provisoriamente”, o Colégio de São Bento, atual Departamento de Ciências da Vida, estando atualmente integrada na coleção de obras do Museu da Ciência. O Colégio de São Boaventura (III) foi, com o de Colégio de São Paulo Eremita, o último edifício da Rua Larga a desaparecer, em dezembro de 1949. Deste modo, o que restava da história do “Venturas” acaba através do Decreto n.º 37521, num “quarteirão” terraplanado "pela importância de 873.000$", antes ocupado pelo Colégio de São Boaventura (III) e pelo Colégio de São João Envangelista (Lóios), depois por um enorme volume que serviu a Faculdade de Medicina, ainda hoje assim conhecido, apesar da grande maioria dos seus serviços se terem mudado para o Pólo III, no final da segunda década do século XXI.
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[csbIII15] Extrato do Diário do Governo nº 179/1949, Sérei I, de 13 de agosto |
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[csbIII16] Faculdade de Medicina, in Coleção Estúdio Horácio Novais, Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian |



| Colégio de São Boaventura I e II |


Outros direitos
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[csbIII4] e [csbIII5], in https://www.uc.pt/ruas/inventory/mainbuildings/boaventura;
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[csbIII6], in https://folhadepoesia.blogspot.com/2017/04/os-cativos-antero-de-quental.html;
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[csbIII10] e [csbIII11], in Arquivo do Museu do Laboratório Antropológico;
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[csbIII16] Construção da Cidade Universitária de Coimbra. 1943/1944, in A Velha Alta... Desaparecida: Álbum comemorativo das bodas de prata da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra (Coimbra: Almedina, 1984).
Fontes
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Antero de Quental, Poesia Completa, Org. Fernando Pinto do Amaral, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001, [3];
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António Vasconcelos, Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra, Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 234-238 e 269-270, do Vol. I, 1987;
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Carlos Fiolhais, Carlota Simões e Décio Martins, Antropologia na Universidade de Coimbra: uma síntese histórica (1772-1933), in História da ciência na Universidade de Coimbra: 1772-1933, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, p.142;
-
Carlos Tenreiro, Génese, Formação e Desenvolvimento, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014;
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Francisca Branco Veiga, Decretos que antecederam a extinção das Ordens Religiosas em 1834, in https://franciscabrancoveiga.com/2021/10/06/decretos-que-antecederam-a-extincao-das-ordens-religiosas-em-1834/, [1];
-
História da Ciência na UC, 4. O final do século XIX: a divisão disciplinar do Museu e o incremento das colecções etnográficas, in https://www.uc.pt/org/historia_ciencia_na_uc/Textos/ocontexto/4_ofinal;
-
Mário Nunes, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra, Das origens aos nossos dias. (1889-1998), Páginas para a história de Coimbra. Coimbra, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra, 1998;
-
Ministério das Finanças, Secretaria-Geral, in https://purl.sgmf.gov.pt/159740;
-
Rodrigues Costa, Coimbra: Colégio de S. Boaventura e Colégio de S. Boaventura (2.º) ou dos Pimentas, respetivamente, https://acercadecoimbra.blogs.sapo.pt/coimbra-colegio-de-s-boaventura-111974 [2] e https://acercadecoimbra.blogs.sapo.pt/coimbra-colegio-de-s-boaventura-2-o-ou-116931;
-
Rúben Neves da Silva Vilas Boas, a Rua Larga de Coimbra das origens à actualidade, Co-orientadores: Prof. Dr. José Fernando Gonçalves e arq.o Rui Lobo, , Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura Departamento de Arquitectura FCTUC dezembro de 2010 [4];
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Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, Rua da Sofia, Portugal, Coimbra, Coimbra, União das freguesias de Coimbra (Sé Nova, Santa Cruz, Almedina e São Bartolomeu), in http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=5909;
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Universidade de Coimbra - Alta e Sofia, Colégio de São Boaventura, in https://www.uc.pt/ruas/inventory/mainbuildings/boaventura.
Revisões
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Em junho de 2023, para retirar desenvolvimento da "Reforma Geral Eclesiástica" empreendida por António Joaquim de Aguiar. Este texto foi emglobado à Estátua de António Joaquim de Aguiar
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Em março de 2024, para desagregar em dois artigos (Colégio de São Boaventura I e II, e o Colégio de São Boaventura III)


Paulo Simões Lopes, março de 2023
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