Episódio #6 | ContentMAP: desvendar os mistérios do cérebro a partir do reconhecimento de objetos de uso quotidiano
Financiado com 1,8 milhões de euros, o projeto de investigação “ContentMAP” procurou desvendar como o cérebro recolhe, processa e armazena informação que permite que sejamos capazes de reconhecer rapidamente objetos. A missão do projeto, o 1.º financiado na área da Psicologia em Portugal pelo Conselho Europeu de Investigação, foi além de respostas científicas: quis ser um embaixador da ciência fundamental, mostrando que a pesquisa sobre mecanismos cerebrais é vital para o avanço do conhecimento aplicado.
Certamente, muitas pessoas já questionaram “Por que conseguimos reconhecer de imediato as pessoas?” ou “De onde vem a nossa capacidade de identificar e distinguir uma faca de um garfo?”. A resposta às duas questões pode ser aparentemente simples – “porque o nosso cérebro se habituou” –, mas, na verdade, o conhecimento aprofundado sobre este processo foi, durante muitos anos, uma incógnita. Foi para dar respostas a alguns mistérios sobre o funcionamento do cérebro que nasceu o projeto de investigação ContentMAP – Mapeamento contentotópico: a organização topográfica do conhecimento de objetos no cérebro.
O projeto, liderado pela Universidade de Coimbra (UC), surgiu de uma ideia do docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UC (FPCEUC) e investigador do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC), Jorge Almeida, que decidiu voltar a Portugal – depois de passar pela Universidade de Harvard – com uma imensa vontade de “contribuir para revolucionar o estudo e a investigação em Psicologia na Universidade de Coimbra”, partilha o líder do ContentMAP.
A neurociência cognitiva, campo do saber em que se encaixa este projeto, é uma das áreas centrais do ensino e da investigação nos melhores centros e faculdades de Psicologia em vários países do mundo, mas não em Portugal. Para Jorge Almeida, este é um cenário a mudar – “a Psicologia é também uma ciência laboratorial, porque precisamos de saber como é que o cérebro funciona para prosseguir”, sublinha.
No caso concreto do ContentMAP, a equipa de investigação procurou estudar a forma como a informação é mapeada no cérebro humano, e de que forma a organização rápida dessa informação permite a identificação célere e eficaz de qualquer género de objeto ou ferramenta de uso quotidiano. Ao longo de seis anos, foi possível identificar “como é que o nosso cérebro pega na informação, trabalha essa informação, organiza essa informação, armazena essa informação e, mais importante ainda, como é que a usa para no dia a dia para conseguirmos reconhecer coisas de forma tão rápida”, explica o também diretor do Proaction Lab – Laboratório de Perceção e Reconhecimento de Objetos e Ações. “A impossibilidade de usar qualquer objeto no nosso quotidiano é uma dificuldade difícil de imaginar. Quanto mais soubermos sobre como o cérebro organiza informação, mais perto estaremos de providenciar tratamentos para condições incapacitantes”, destaca o investigador.
Durante o trabalho laboratorial e a realização de experiências com a participação de voluntários – colaboração que também é fundamental para a implementação de um projeto de neurociência cognitiva – a equipa liderada por Jorge Almeida conseguiu criar “mapas para diferentes propriedades de objetos em diferentes partes do cérebro”, partilha. Este conhecimento sobre a forma como o cérebro se organiza é essencial porque “se queremos atuar numa situação particular, temos de conhecer como é que o cérebro funciona”, sublinha o neurocientista.
Jorge Almeida faz um balanço muito positivo destes seis anos de implementação do projeto, embora a novidade de pesquisar uma área em expansão seja, igualmente, um grande desafio. “A novidade traz também desafios e a nossa equipa teve de trazer «cá para fora» muita informação que não estava disponível; para isso foi precisa muita computação, muita compreensão de dados, e novos modos de trabalhar dados”, evidencia o docente. E foi graças a estes riscos de trabalhar algo novo que foi possível compreender melhor a forma como reconhecemos objetos de uso rotineiro pois, como revelou a investigação, nem todas pessoas são capazes de os identificar da mesma forma, embora seja possível, para a grande maioria, distinguir uma garrafa de vidro de uma garrafa de outro material.
Mas nem só de outputs científicos se faz um projeto de investigação. Para Jorge Almeida, as pessoas que contribuíram para o ContentMAP foram fundamentais neste caminho de seis anos: “sem as pessoas não tinha feito nada”, declara. O líder da investigação destaca ainda, com enorme satisfação, o crescimento da equipa de investigação: “conseguimos ver as pessoas a crescer e a trazer para a UC os seus próprios projetos de investigação”. A aposta na comunicação de ciência foi também muito importante para a aproximação à sociedade e à comunidade escolar, mostrando as várias faces da Psicologia, que não se encerram apenas na intervenção. “Acho que conseguimos modificar a investigação em Psicologia na UC, mas também os caminhos das pessoas”, partilha. Este caminho só foi possível também graças a outro aspeto, como destaca o cientista: “ter um ambiente seguro e justo para todas as pessoas, sem discriminação”.
Além da maturação científica e pessoal da equipa envolvida, o ContentMap abriu ainda caminho a novos projetos de ciência básica, como é o caso da ERA Chair CogBooster, que tem como objetivo central impulsionar o ensino e a investigação na área da neurociência cognitiva na Universidade de Coimbra. “Espero que, com o contributo destes projetos, comece a ficar cada vez mais claro porque é que temos de ter um investimento forte na ciência fundamental, pelo menos um investimento tão forte como temos na ciência aplicada”, sublinha Jorge Almeida. “Devemos pensar não só naquilo que é aplicável hoje, mas também em criar conhecimento, porque tendo conhecimento as coisas depois funcionam”, acrescenta. Para um “apaixonado pela ciência”, como Jorge Almeida se autointitula, a luta passará sempre por criar novos espaços e projetos para que a ciência fundamental seja cada vez mais reconhecida no território nacional.
Assista ao vídeo sobre o ContentMAP
Ficha Técnica
| Nome | 
			 ContentMAP – Mapeamento contentotópico: a organização topográfica do conhecimento de objetos no cérebro  | 
		
| Coordenação | Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra | 
| 
			 Website  | 
			https://proactionlab.fpce.uc.pt/ | 
| Duração | 
			 6 anos (1 de fevereiro de 2019 a 31 de março de 2025)  | 
		
| Financiamento | 1 816 004 euros | 
| Entidade financiadora | 
			 Conselho Europeu de Investigação, através do programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia  | 
		
| Número de investigadores envolvidos | 18 investigadores | 
| Áreas de investigação envolvidas | 
			 Computação, Neurociência, Psicologia  | 
		
Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCM e Inês Coelho, DCM
Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCM e Karine Paniza, DCM