/ Caminhos na UC

Episódio #63 com José Xavier

Uma vida a correr o mundo, de Portugal à Antártida: o fascínio pela vida marinha que se tornou numa profissão

Publicado a 21.04.2025

Para José Xavier, o mar sempre foi um lugar de conforto e curiosidade. Essa tranquilidade que lhe transmitia acabou por o levar a considerar uma carreira em que tivesse a possibilidade de exercer uma profissão ligada ao oceano, e aos animais que o habitam. A ideia acabou por se concretizar com o ingresso na licenciatura em Biologia Marinha e Pescas e com todo o caminho que se seguiu. Em 1999, esteve pela primeira vez na Antártida, região que passaria a ser o seu grande foco de investigação. À Universidade de Coimbra (UC), chegou em 2010, como investigador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e, desde 2017, é professor do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Hoje, é entre Portugal e outros tantos países que divide o seu tempo, sendo um porta-voz da ciência para a mudança. Para José Xavier, as descobertas científicas e o conhecimento são essenciais para combater a inércia da tomada de decisão política, que precisa de ser mais célere para proteger o nosso planeta.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Depois de passar muitos anos fora, comecei a auscultar a Universidade de Coimbra por volta de 2007/2008, através da equipa do professor Jaime Ramos. E, a partir deste contacto, percebi que a UC me daria todas as facilidades para estabelecer a investigação que estava a fazer. Em 2010, vim para cá como investigador; depois, em 2017, como professor assistente; e, desde 2022, sou professor associado. Cresci com a Universidade de Coimbra, no início com a investigação e agora com a investigação e a componente letiva, e essas valências são verdadeiramente enriquecedoras.

Estes 15 anos voaram! A minha ligação com Coimbra sempre foi muito romântica, porque é uma cidade lindíssima para morar e excelente para fazer investigação e, por isso, sempre tive os olhos a brilhar por estar cá.

O que fazia antes de vir para Coimbra?

Tirei o curso de Biologia Marinha e Pescas na Universidade do Algarve e depois fui doutorar-me na Universidade de Cambridge, tendo terminado o doutoramento nos anos 2000. Depois disso, tive vários projetos de investigação e corri um bocadinho o mundo, sempre de cá para lá e de lá para cá: estive dois anos na Nova Zelândia, dois anos nos Estados Unidos da América, dois anos em França e dois anos na Alemanha, mas sempre com ligação a Portugal e ao Reino Unido (estou ligado ao British Antarctic Survey, no âmbito da investigação relacionada com as regiões polares), países com os quais sempre mantive um contacto próximo. A partir de 2017, assim que comecei a desempenhar funções de professor assistente na UC, comecei a ficar mais tempo em Portugal.

Como é que surge o seu interesse pela vida marinha?

Desde pequenino. Tive sempre o mar presente na minha vida: sempre morei a uma ou duas horas do mar, ia com o meu pai e amigos à pesca, passei muito tempo em São Martinho do Porto, que é uma baía muito segura, e ficávamos por lá o dia todo. E sempre associei o mar a momentos bons: ir à pesca, férias de verão, brincar com caranguejos e peixinhos, praticar desportos que podíamos fazer na praia… E, talvez por isso, estudar Biologia Marinha pareceu-me muito óbvio.

Por volta do segundo ou terceiro ano da faculdade, deu-me um clique e pensei: será que dá para fazer do mar uma profissão? E, assim que se deu este clique, foi espetacular, e comecei a envolver-me em projetos científicos. Posso dizer que tenho a possibilidade de viver o sonho de trabalhar na área que gosto na Universidade de Coimbra, lidando com estudantes e, ao mesmo tempo, fazendo investigação, que, apesar de ser muito exigente, me faz ter um brilho nos olhos e pensar que estou muito feliz por fazer o que estou a fazer. Sinto-me um sortudo.

E como é que se gere a vida quando se tem de conciliar a sala de aula com a investigação, muitas vezes longe, como na Antártida?

É um desafio muito grande. Começámos as primeiras expedições na Antártida em 1999 – já fizemos mais de dez expedições – e as expedições podem ir de dois meses (duração mais habitual para o tipo de investigação que fazemos) até nove meses. E quando estamos no início da carreira, quanto mais tempo estivermos no campo, melhor. Para mim, não havia impedimentos para fazer investigação na Antártida. Mesmo com o passar do tempo, essa vontade permaneceu, nunca me importei de ir para tão longe.

É um privilégio viver esta experiência, trabalhar com tantos animais, como pinguins, focas, albatrozes, peixes ou lulas, e num contexto muito internacional, porque a Antártida é um território regido pelo Tratado da Antártida, que envolve mais de 50 países, para que seja uma região para a ciência e para a paz, que promova a colaboração internacional. Desde a minha primeira expedição, nunca parei de estar envolvido com a Antártida e acabei também por ter, e ainda tenho, um papel bastante interveniente no Programa Polar Português, o PROPOLAR.

Mas, ao longo da carreira, a dimensão familiar também foi conquistando cada vez mais espaço. E, se no início, a minha carreira foi muito focada na Antártida e em andar a correr por vários países do mundo, a fazer o que mais gosto, a parte familiar tem hoje em dia um papel muito importante. E encontrar o equilíbrio entre todas estas dimensões é fundamental para que tudo seja possível.

O que mais o satisfaz no seu trabalho?

O que mais me satisfaz é, talvez, a mudança de contextos entre as aulas, o trabalho de campo na Antártida e a investigação.

O que é que mais o "assusta" nas descobertas que tem feito sobre o impacto das alterações climáticas na vida animal?

Não me assustam nem os animais, nem as descobertas. Acho que o que me está a assustar é a inércia política em tomar ações. Os decisores políticos são muito lentos – devido à conjuntura política internacional e a outras razões que são externas à Antártida – o que faz com que as leis para proteger a Antártida/as regiões polares e para lidar com as questões das alterações climáticas sejam também muito lentas. Neste contexto, acho que a maior frustração não é a parte científica, nem o desafio de inspirar as gerações mais novas para mostrar que temos de proteger o planeta, mas sim a dificuldade política de tomar decisões fortes para o bem do planeta.

De acordo com aquilo que temos vindo a descobrir, é óbvio que o degelo vai ter implicações planetárias ao nível das águas do mar, que vai aumentar. Sabemos que há vários animais que estão já a sofrer com o aquecimento do planeta. Por exemplo, os pinguins imperadores podem vir a desaparecer em 2100, na geração dos nossos filhos; e nós estamos a contribuir para que esta espécie possa vir a desaparecer. Tudo isto é extremamente preocupante.

Temos o Acordo de Paris, em que já temos ações políticas para combater as alterações climáticas, mas depois temos os Estados Unidos da América a retirarem-se do acordo. Temos excelentes ações, como da parte das Nações Unidas, nomeadamente a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas. Em 2022, o evento decorreu em Portugal, e foi excelente, pois mostrou-se que há ações políticas muito evidentes que podem ser tomadas. Mas quando vamos avaliar quais são as contribuições nacionais, por exemplo, para combater as emissões dos gases com efeito de estufa, ninguém cumpre.

Esta inércia tem sido uma das minhas grandes preocupações, sobretudo porque tenho acompanhado tudo isto bem de perto porque sou, atualmente, o chefe de Portugal nas reuniões do Tratado da Antártida – nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. E, para enfrentar este grande desafio de agilizar a política, a nossa equipa da UC tem tentado maximizar as descobertas científicas para reforçar o conhecimento junto dos decisores políticos para que tomem decisões mais rapidamente, seja em Portugal ou no resto do mundo, ou mesmo na Antártida, para proteger o planeta. Temos de ser mais rápidos.

Qual é a visão que tem das visitas que tem feito à Antártida tendo em conta que lá vai desde 1999?

Começaria por destacar o avanço tecnológico. A minha primeira expedição foi em 1999, altura em se davam os primeiros passos na utilização da internet. Eu enviava, todos os dias, um faxe a dizer que estava vivo. E há uma diferença em comparação com as últimas expedições, em que temos acesso à internet 24 horas por dia. Hoje estamos lá, mas estamos sempre ligados ao mundo. Outra nota evidente em termos de desenvolvimento da tecnologia é a melhor preparação para fazer investigação. Por exemplo, um dos nossos estudantes, o Hugo, está a usar imagens de satélite para conhecer o comportamento de pinguins à volta da Antártida e ele consegue identificá-los através de uma imagem de satélite! É como usar uma espécie de Google Maps ao mais alto nível. E isto há 20 ou 30 anos era impossível.

Também noto grandes avanços em termos de colaborações internacionais, que estão a ser muito, muito bem fomentadas e estimuladas. Como eu disse anteriormente, temos mais de 50 países interessados em colaborar nesta região.

Destacaria também o aumento exacerbado, quase exponencial, do turismo na Antártida, que precisa de ser legislado. As pescas também têm estado a aumentar e tem havido um esforço muito grande para serem bem regulamentadas. E até mesmo a atividade científica pode ser melhorada, e devemos pensar como é que podemos ir lá sem ter um impacto ou deixar uma pegada humana. Sempre que vamos lá, podemos, por exemplo, passar a usar elementos que sejam mais amigos do ambiente. Tudo deve ser estudado ao máximo para reduzir o impacto humano. E essa preocupação aumentou de uma maneira muito evidente ao longo dos anos.

Outro aspeto também muito evidente é a ligação às gerações mais novas através, nomeadamente, da comunicação de ciência, para mostrar o que fazemos. E penso que Portugal tem sido um bom exemplo. O Programa Polar Português é também muito importante para o envolvimento das novas gerações de cientistas, uma vez que faz com que seja possível, todos os anos, a ida de investigadores de Portugal ao Ártico e à Antártida. E, com isto, conseguimos ver com regularidade os nossos cientistas a trabalhar com equipas de todo o mundo. Temos uma network internacional muito boa e acho que a equipa da Universidade de Coimbra tem futuro.

E o que é urgente fazer para mitigar esses impactos que refere?

Na minha perspetiva, o mais óbvio é a diplomacia: sentar todas as partes interessadas do Tratado da Antártida à mesa e criar estímulos para que se tomem ações para proteger a Antártida. E por que é que isso não acontece? Porque, como há diferentes interesses, a relação entre os países envolvidos pode ser extremamente complexa.

Por exemplo, há países que veem a Antártida como uma área que deve ser protegida e que não deveria decorrer lá nada, nem sequer investigação. Por outro lado, há outras nações que consideram que a Antártida deve ser gerida de forma a que seja útil à Humanidade, como através das pescas, do turismo ou da investigação. E criar equilíbrio entre estas diferentes visões não é fácil, sobretudo porque os interesses também vão mudando consoante as prioridades dos países. E um exemplo claro é o que está a acontecer com os Estados Unidos da América, com uma nova eleição a mudar as prioridades do país, mudança que ainda não sabemos que consequências tratará para a Antártida. Temos ainda um desafio adicional neste processo de cooperação: muitas vezes, quando os países não estão interessados no que está a ser discutido saem da sala, e, sem diálogo, não conseguiremos contribuir para termos leis fortes, que todos sigam.

Embora o Tratado da Antártida seja considerado um dos tratados com maior sucesso de sempre, a tomada de decisão e de ações políticas é muito lenta. Precisamos de ser ainda mais ativos! E como é que poderíamos ser mais ativos? Através da implementação de medidas concretas.

Por exemplo, promover o uso de navios com motores elétricos, que não usem combustíveis que emitem gases com efeito de estufa, junto dos países que vão para a Antártida; ter bases científicas para a investigação na Antártida que sejam carbono zero ou zero emissões; repensar o tipo de equipamento que se leva para as expedições, promovendo a partilha de aparelhos e, desta forma, uniformizar e facilitar a troca de informação e a cooperação. Estas mudanças, que não considero muito complicadas, podem, de facto, ser processos complexos porque há diferentes perspetivas sobre como é que a Antártida pode beneficiar todos os países. E, perante esta dificuldade, o melhor é mesmo continuar o diálogo.

Que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC?

A primeira mensagem que gostaria de deixar está relacionada com a investigação: gostaria de sublinhar que a Universidade de Coimbra é muito boa e não fica atrás da investigação que é feita no resto do país ou mesmo ao nível internacional. Acho que estamos muito bem.

A segunda mensagem é dirigida à comunidade estudantil. A Universidade de Coimbra, através dos seus cursos, procura dar-vos as melhores valências e a melhor preparação para o mundo que aí vem: para que estejam preparados para entrar na indústria, na investigação, ou no caminho que queiram seguir, e para que este vosso caminho traga benefícios para todos, para Portugal e para o planeta. Gostava de deixar esta mensagem de esperança nesta nova geração, mas sublinhando também que há um trabalho árduo pela frente e que precisamos de todos, incluindo desta geração mais nova da Universidade de Coimbra, para cuidar do nosso planeta.

Produção e Edição de Conteúdos: Ana Bartolomeu, DCM; Catarina Ribeiro, DCM; Inês Coelho, DCM

Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCM e Karine Paniza, DCM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR