Descoberta de edifício monumental em Kani Shaie traz novos dados sobre os primórdios da Mesopotâmia e dos Montes Zagros

15 outubro, 2025≈ 5 mins de leitura

A equipa do Projeto Arqueológico de Kani Shaie (KSAP), liderado pelo Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património (CEAACP), concluiu mais uma campanha de escavações no sítio arqueológico de Kani Shaie, situado na província de Sulaimânia, no sopé dos Montes Zagros.

Este sítio, atualmente considerado o mais importante a Este do rio Tigre para compreender a sequência de ocupação humana entre os IV e III milénios a.C., continua a revelar dados inéditos sobre os primeiros desenvolvimentos sociais e políticos do Crescente Fértil.

As principais descobertas de 2025

De acordo com os investigadores do projeto “na parte alta da colina artificial (tell) de Kani Shaie foi identificado um edifício oficial de carácter monumental, possivelmente um espaço de culto, datado do chamado período de Uruk (c. 3300–3100 a.C.)”. Este período recebe o nome da cidade de Uruk, reconhecida como a primeira grande metrópole do mundo, devido à clara evidência de contactos diretos entre a Mesopotâmia Meridional, onde se situava esta importante cidade, e as regiões montanhosas a oriente. Estes contactos são denunciados por materiais arqueológicos como cerâmicas e selos cilíndricos que se distribuem por aquela ampla região e evidenciam que, ao longo do IV milénio, este centro urbano terá influenciado o desenvolvimento de regiões periféricas como a zona montanhosa dos Zagros, onde se situa Kani Shaie.

No edifício agora identificado nas escavações foram encontrados dois achados de grande relevância: um fragmento de pendente em ouro, que testemunha práticas de ostentação e o acesso a metais preciosos numa comunidade aparentemente periférica; e precisamente um selo cilíndrico do período de Uruk, artefacto associado a práticas administrativas, de controlo e de legitimação de poder.

Além destes materiais, foram ainda identificados cones de parede, elementos decorativos típicos de arquitetura monumental, amplamente documentados em Uruk, o que reforça a interpretação do edifício como uma estrutura pública ou cerimonial. “A confirmar-se a natureza monumental do edifício, esta descoberta poderá alterar profundamente o entendimento da relação entre Uruk e as regiões periféricas, revelando que sítios como Kani Shaie não eram marginais, mas antes atores centrais nos processos de difusão cultural e política, acrescentam os investigadores.

Paralelamente, na área mais aplanada do sítio, as escavações prosseguiram em níveis dos períodos Helenístico-Parta (247 a.C.–224 d.C.) e Neo-Assírio (c. 911–609 a.C.), confirmando o caráter de longa duração da ocupação do local. Do final do período Neo-Assírio provém ainda um selo cilíndrico que sugere a existência de um poder local de grande relevância no quadro imperial.

Próximos passos do Projeto Arqueológico de Kani Shaie

A publicação dos resultados preliminares desta campanha de escavações está prevista para os próximos meses e está ainda a ser preparada uma monografia sobre os vestígios recolhidos nas três primeiras campanhas realizadas pela equipa do CEAACP em Kani Shaie, que se iniciaram em 2013.

KSAP é um projeto dirigido por André Tomé (CEAACP/UC), Steve Renette (CEAACP/Universidade de Cambridge), Maria da Conceição Lopes (CEAACP/UC) e Michael Lewis (CEAACP/UC, diretor assistente). A equipa de projeto conta com investigadores do CEAACP da Universidade de Coimbra, da Universidade do Algarve e da Universidade de Cambridge, bem como por técnicos das autoridades de património do Curdistão Iraquiano e um quadro internacional que reuniu especialistas de várias nacionalidades. A missão de 2025 contou ainda com a particpação dos invetigadores do CEAACP Humberto Veríssimo (Universidade do Algarve), Anna Ligia Vitale e Kelly Veloso (Universidade de Coimbra).

Este é um projeto maioritariamente financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. (CEAACP | UIDP/00281) e pela Universidade de Cambridge, contando com a colaboração próxima das autoridades de património do Curdistão Iraquiano.

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