A Letra e as suas Formas….

De um escrivão quatrocentista a um aluno invisual oitocentista

AB

Ana Maria Bandeira

Arquivo da Universidade de Coimbra

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Era assim que o tabelião Pedro Afonso terminava, em 18 de março de 1436, este documento que temos presente, redigido em Penela. A letra que se nos revela é de leitura exigente, aos olhos de quem a ela não esteja habituado e é um desafio agradável, para arquivistas e historiadores, preparados com o conhecimento paleográfico necessário, para a desbravar. A persistente leitura leva-nos a desbravar o texto e a conhecer o arrendamento, feito pelo Mosteiro de S. Jorge de Coimbra, de certas propriedades que esta casa monástica possuía. Através da mão que, pacientemente, o escreveu, com a letra da época, sobre um pedaço de branco pergaminho, ficamos a conhecer algumas outras personagens.

Apesar deste registo documental ter um objetivo próprio, valoriza-o a referência ao duque de Coimbra, o infante D. Pedro, fatidicamente falecido na batalha de Alfarrobeira, em 20 de maio de 1449. Entre muitos outros títulos que possuía, era também o Senhor de Penela, localidade onde o documento foi redigido, através do seu escrivão. Ficamos a saber que D. Luís, o prior do Mosteiro de S. Jorge, então considerado “dapar da cidade de Coimbra” arrendou a Diogo Lourenço, sapateiro do Espinhal, toda a fruta das árvores do Casal da Lapa, junto ao Espinhal (concelho de Penela), pertencente ao mosteiro, por não possuir ali caseiro, com “preyto e condiçam” que o dito arrendatário pagasse, anualmente, 30 reais brancos, da moeda então corrente no reino, e que ali plantasse árvores. A terminar, no belo pergaminho que sobreviveu até hoje, sem manchas que perturbem a sua leitura, podemos ver o sinal do escrivão, seguido do valor pago pela redação do texto, quinze reais (xb rs).

Em 1818, a 27 de outubro, António Feliciano de Castilho bem se esforçou, para colocar a sua assinatura, no livro de registo de matrículas dos alunos universitários, como era usual fazer-se. Era já o segundo ano, em que frequentava a Universidade e, anteriormente, assim assinara e continuaria a fazê-lo até ao final do seu curso de Leis, em 1822. No entanto, António era cego desde os seis anos e a aprendizagem da assinatura terá sido feita pela sua enorme persistência, capacidade e desejo de conhecimento. Se assim não fosse, como encontrar explicação para que terminasse, com sucesso, um curso universitário e viesse a ser um ilustre escritor e pedagogo, autor de um método de ensino que foi levado a muitas escolas portuguesas, o Método Castilho com o qual propunha a alfabetização da população, com uma mais rápida aprendizagem. A nota marginal, neste livro de matrículas, diz muito do que foi a aprendizagem universitária, ao referir que não comprara os livros, “por ser cego e ouvir as lições a seu irmão Augusto…”. A essa amizade fraternal ficou a dever tudo o que aprendeu, sendo o primeiro caso de inclusão de um aluno na Universidade, como aluno invisual.